O manejo do solo e o seu processo construtivo no sistema de produção

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Por: Aline Concato – Engenheira Agrônoma

Inúmeras são as ferramentas disponíveis no meio agro contemporâneo que remetem à maximização do potencial produtivo das culturas agrícolas. A execução de manejos agronômicos, devidamente planejados, aliada à adoção de técnicas inovadoras de elevada eficácia faz com que se atinja elevados níveis de produtividade, promovendo o setor agrícola na economia nacional.

Neste cenário, frente ao deslumbramento gerado pela agricultura digital que permeia o processo produtivo atual, o seu protagonista é quem garante a sustentabilidade do sistema e da atividade agrícola: o solo. Se tratando de construção de produtividade, seja a médio ou longo prazo, o planejamento deve iniciar por este importante fator de produção.

A estruturação do solo trata-se de um processo construtivo gradual e constante, embora as suas melhorias sejam evidentes de forma progressiva. Para tanto, o conceito de plantio direto, amplamente difundido e adotado no Brasil, teve grande contribuição para a construção do perfil de solo, uma vez que emergiu a importância dos princípios de manejo e conservação deste, possibilitando a constituição da estabilidade a partir de atributos que promovem o aproveitamento de manejos construídos através de recursos investidos a cada safra.

Geologicamente, os solos brasileiros são caracterizados pela sua heterogeneidade, diversidade e distintas formas de uso e aptidão agrícola, características estas que são estabelecidas a partir do ecossistema de cada região ou resultantes de ações antrópicas ocorridas ao decorrer do tempo. Da mesma forma que o território brasileiro é constituído por solos naturalmente férteis, sem susceptibilidade a processos erosivos, com adequada disponibilidade hídrica e presença de aeração, há solos que apresentam características divergentes a estas, resultando em restrição em seu uso potencial, onde a ausência de intervenção agronômica acarreta em impedimento de cultivos.

Assim sendo, para que haja condições para exploração, é preciso torná-lo agricultável, de modo que possa oferecer aos cultivos agrícolas todos os elementos essenciais ao seu desenvolvimento e, consequentemente, convertê-los em produção vegetal.  Para tanto, como todo o ser vivo, o solo exige análises e diagnósticos constantes a fim de interpretar, através de indicadores e modelos referenciais, quais são os fatores que limitam a atividade agrícola, seja do ponto de vista químico, físico ou biológico.

Para o entendimento e posterior tomadas de decisões acerca do manejo agronômico é necessário inicialmente considerar o fator solo como um sistema aberto o qual recebe e doa elementos essenciais, como energia, água, solutos e gases, uma vez que os processos ocorrem de forma contínua e conectada, a partir de reações metabólicas e bioquímicas. Se tratando de produção vegetal, o sistema solo-planta-atmosfera apresenta alta complexidade refletindo em exigências por manejos engajados e inter-relacionados, visto os inúmeros fatores, tanto bióticos quanto abióticos, que circundam os processos fitofisiológicos.

No atual cenário da agricultura, onde se objetiva elevar os níveis de produtividade e, consequentemente, a produção agrícola, o ambiente produtivo é visto como um processo onde os manejos se complementam e atuam de forma sinérgica, de modo que uma prática agronômica pode apresentar múltiplas soluções, tanto do ponto de vista técnico quanto operacional e econômico, ou seja, a soma de decisões previamente planejadas e colocadas em execução no ano agrícola, representa praticidade, eficiência e lucratividade, considerando o significativo incremento de produtividade obtido.  

Neste âmbito, o manejo imposto ao solo dispõe de retorno direto, tendo em vista que este é a base da agricultura, elemento que desencadeia e sustenta todo o processo, de modo a garantir a sustentabilidade do segmento, seja do ponto de vista social, ambiental ou econômico.

Sabe-se que solo saudável e equilibrado é sinônimo de lavouras vigorosas, estruturadas e produtivas. Os princípios do plantio direto, que consistem na rotação de culturas associada à produção de palhada e consequente cobertura de solo, desde que bem executados, possibilitam grandes avanços em termos de conservação e produção, apresentando efeitos benéficos que são acumulativos e refletem em melhorias contínuas. Após o processo regenerativo, o solo tende a permanecer em equilíbrio, exigindo práticas de manutenção – além de complexas avaliações – e assegurando o adequado desenvolvimento das plantas e a consequente estabilidade produtiva.

A rotação de culturas, embora comumente confundida com sucessão de culturas, visa alcançar diferentes camadas em profundidade no perfil o solo, de acordo com a espécie cultivada, propiciando diferentes ecossistemas para o desenvolvimento radicular e também para os organismos biológicos e microbiológicos. Cada espécie, possuindo o seu hábito vital, empenha diferentes funções bioquímicas no ambiente rizosférico, formando relações mútuas e contribuindo com o incremento da matéria orgânica do solo.

Os métodos de empregar a rotação de culturas na propriedade são diretamente dependentes da inserção geográfica do ambiente de produção, levando em consideração, principalmente as espécies e seu arranjo populacional e épocas de cultivo, sendo o regime hídrico e temperatura fatores limitantes para tanto. Estes, afetam diretamente na intensidade dos resultados obtidos, uma vez que podem impactar no desenvolvimento morfofisiológico da planta, refletindo, por exemplo, em menor produção e acúmulo de matéria seca por hectare.

O cultivo de soja tem se difundido por praticamente todo o território brasileiro, se tornando a cultura de maior importância do ponto de vista econômico. Sabe-se que esta espécie apresenta elevada exportação nutricional a partir da sua produção de grãos e, devido as suas características morfológicas, não apresenta sistema radicular agressivo a ponto de corrigir camadas compactadas em maior profundidade. Da mesma forma, o seu potencial de produção de fitomassa é baixo, por se tratar de uma espécie leguminosa, ou seja, apresenta baixa relação carbono/nitrogênio, refletindo em baixo incremento de matéria orgânica.

Neste cenário, o cultivo de soja, que é predominante no sistema agrícola na safra de verão, não atende a exigência de reposição de atributos biológicos e de carácter conservacionistas, não agregando nas propriedades físicas do solo. Sendo assim, considerando que, em determinadas regiões do Brasil – especificamente no Rio Grande do Sul –, as condições edafoclimáticas não propiciam cultivos em segunda safra, há dependência na exploração da safra de verão, sendo esta a que apresenta menores riscos e maiores lucratividades, em comparação aos cultivos invernais.

Economicamente viável, o milho é uma espécie que, além de apresentar alta adaptabilidade aos diferentes ambientes produtivos, dispõe de inúmeros benefícios em um sistema rotacionado, incrementando maior quantidade de fitomassa em relação à soja. Além disso, por se tratar de uma gramínea, apresenta sistema radicular mais vigoroso e maior quantidade de raízes fasciculadas, acarretando em maior volume de solo explorado.

Considerando a melhoria dos atributos químicos, físicos e biológicos em profundidade do perfil do solo, o milho, por apresentar sistema radicular profundo e agressivo, atinge camadas subsuperficiais cujas melhorias serão estendidas aos próximos cultivos através da formação de zonas condicionadas para o desenvolvimento radicular, desde que não haja outros impedimentos, como acidez e deficiência nutricional, por exemplo.

 Ao considerar esta prática agronômica como uma estratégia para rotação de raízes no sistema, outra alternativa, a qual tem apresentado elevado potencial frente à difusão entre os agricultores atrelado aos inúmeros pontos benéficos contemplados – desde que se adeque as peculiaridades regionais como solo, clima e época de cultivo – e atingido maiores dimensões, é o cultivo de plantas de cobertura, seja com espécies isoladas ou policultivos.

No primeiro caso, por se tratar de uma única espécie, é possível a consorciação de culturas, possibilitando a extração de grãos de lavouras comerciais. Um exemplo amplamente usual no centro-oeste brasileiro é o cultivo de milho consorciado com braquiária, a qual objetiva a produção forrageira em um sistema de integração lavoura-pecuária. Entretanto, para este sistema é importante, além de rotacionar culturas, promover o uso racional das áreas intercalando também a forma de exploração comercial, de modo a instigar a resiliência do solo, tendo em vista o caráter altamente extrativista da atividade pecuária.

No âmbito dos policultivos – ou mix de cultivos –, a área deve ser destinada apenas para recuperação e regeneração, sem que haja, neste período, retorno econômico ou atividade extrativista. Trata-se de um período, geralmente subsequente à safra, destinado para retribuir ao solo tudo o que foi extraído.

Especificamente no Rio Grande do Sul, os policultivos são introduzidos de três diferentes formas: após a colheita do milho, cujo ciclo se estende até o final do outono, previamente à semeadura das culturas da safra invernal, após a colheita da soja, finalizando o seu ciclo concomitantemente à semeadura de inverno, ou ainda sendo implantada, também após a colheita da soja, porém estendendo o seu cultivo até a semeadura da próxima safra de verão.

Já em outras regiões do país este tipo de cultivo apresenta algumas limitações. Os períodos de tempo entre uma safra e outra são curtos devido a possibilidade de segunda safra, ou até mesmo pela diversificação, como por exemplo, o cultivo do algodão. Dessa forma, as plantas de cobertura teriam curto período para o seu desenvolvimento e, atrasos na semeadura da cultura sucessora remete a perdas no potencial produtivo das culturas de interesse econômico. A exclusividade da área para este cultivo pode gerar impactos econômicos, visto a ausência de renda por determinado período do ano.

Tendo em vista a complexidade deste manejo, para que os policultivos expressem o seu potencial e entreguem o retorno esperado, é fundamental que o planejamento para a implantação seja detalhado e criterioso, com decisões a partir de conhecimento técnico, visto que inúmeros são os fatores correlacionados. Vale ressaltar que, se tratando de cuidados ao solo, esta implantação deve ocorrer simultaneamente à operação de colheita da cultura anterior, pois solo coberto repercute em solo protegido.   

 

A introdução das plantas de cobertura pode ser considerada uma prática de adubação verde considerando os atributos que são modificados quimicamente na dinâmica do solo.  As plantas funcionam como biofábricas em constante ativação biológica da microbiota do solo, desencadeando funções bioquímicas e realizando, entre outros processos, a ciclagem dos nutrientes estocados no solo a partir das adições de fertilizantes e corretivos. Elementos essenciais ao desenvolvimento das culturas são reativados tornando-se disponíveis para absorção radicular da cultura sucessora.

Do ponto de vista das propriedades físicas do solo, a estruturação dos atributos é favorecida pela formação de macro e microporos, garantindo a presença de oxigênio na rizosfera, bem como a infiltração, retenção e armazenamento de água. O desenvolvimento do sistema radicular em solos com bioporos resulta em menor densidade de partículas, sem compactação e, consequentemente, sem impedimento físico promovendo um equilíbrio entre o sistema solo-planta-atmosfera onde as perdas são mitigadas assegurando a continuidade dos processos fotossintéticos da planta apesar de possíveis períodos de restrição hídrica.

O manejo do solo efetuado a partir de práticas conservacionistas – as quais podem ser executadas independentemente do nível tecnológico do estabelecimento agrícola – remete a um ambiente produtivo com elevada resiliência e com caracterizações bióticas e morfológicas distintas, visto que promove o equilíbrio do ecossistema e, consequentemente, oferece às plantas condições adequadas de desenvolvimento na rizosfera.

Para tanto, é imprescindível entender o solo e sua dinâmica de acordo com as suas potencialidades e limitações, a fim de traçar estratégias que otimizem racionalmente os recursos dispostos, além de compreender o ambiente de produção de inserção da atividade agrícola identificando possíveis fatores que possam promover a melhoria contínua do solo.

A aplicação do conhecimento agronômico amparado em constantes monitoramentos e técnicas efetivas de manejo do solo tende a agregar em características acumulativas onde as futuras gerações seguirão colhendo os frutos. O investimento no recurso solo remete à sustentabilidade da atividade agrícola a longo prazo, visto que a retribuição se dá através de incremento de produtividade.

 

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Esse texto possui direitos autorais.

Como citar esse texto:

CONCATO, A.  O manejo do solo e o seu processo construtivo no sistema de produção. Portal O Extensionista, v.3, n.18, p. 1-2, abr. 2021. Disponível em: https://oextensionista.com/2021/04/15/o-manejo-do-solo-e-o-seu-processo-construtivo-no-sistema-de-producao/https://oextensionista.com/. Acesso em: DIA Mês. ANO.

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