Um espaço para semear inquietudes e cultivar reflexões sobre as mazelas e belezas do cotidiano
Colunista: Herena Barcelos
Nutricionista, Escritora, Agente Cultural, Mestranda em Estudos Rurais
herena.barcelos@ufvjm.edu.br
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD Contínua – suplemento Educação, pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, mostrou que quase 11 milhões de jovens brasileiros de 15 a 29 anos (23% da população nessa faixa etária) não estão ocupados no mercado de trabalho e nem estudando ou se qualificando (REVISTA RETRATOS, 2019). No campo a situação é bastante grave. Santana e Barcelos (2022) mostraram, por meio de revisão integrativa, que políticas públicas voltadas para a educação de jovens rurais, como os Núcleos de Estudos em Agroecologia (NEA) e as Escolas Família Agrícola (EFA), têm sido tema de discussões acadêmicas, numa relação muito próxima com a Agroecologia. O professor Ezequiel Redin (2017) complementa a reflexão ao trazer para o debate o acesso ao ensino superior. Ele demonstra que mesmo em programas de cotas para acesso ao ensino superior, a juventude rural fica à margem das políticas públicas educacionais. Para Redin “o acesso ao ensino superior coloca o jovem rural com maiores conhecimentos, o que implica necessariamente em uma mudança cultural na unidade de produção familiar” (REDIN, 2017, p. 250).
O texto a seguir é um presente de aniversário: uma homenagem ao professor Ezequiel Redin, uma das minhas inspirações para multiplicar o que aprendo e ser a melhor aluna e melhor profissional que posso.

EXCELÊNCIA
Era uma vez um menino que morava no campo. Ele sabia fazer muitas coisas e estava sempre disposto a compartilhar seus conhecimentos. Sua mãe sempre lhe dizia para dar o seu melhor em tudo que fizesse, por isso ele fazia de seu cotidiano um espaço de aperfeiçoamento e das suas experiências, relações e trocas fazia oportunidades de aprendizado. Certa vez, na escola, ele ouviu a palavra excelência:
— Se esforcem para serem alunos de excelência.
E o menino decidiu ser excelente.
— Mãe, eu quero ser um aluno excelente.
— Mas você é excelente, meu filho.
O menino estufou o peito.
— Pena que o estudo aqui é limitado.
O menino perdeu o brilho.
— Limitado, como?
— Aqui só temos o Ensino Fundamental. O Ensino Médio fica na cidade. E as Universidades, agora até abriu uma na cidade, mas nem todo mundo consegue entrar. Ainda mais a gente, que vive no campo.
— Elas são excelentes?
A mãe rui.
— Mas quem precisa ser excelente não é você?
— Vou precisar ir embora.
O menino foi o melhor aluno que pôde antes de partir. Até que o dia chegou. O coração apertado por deixar a família, sua terra, seus amigos. O menino guardou algumas das coisas que fazia numa caixa, para amenizar a saudade que já sentia antes mesmo de sair. Como não tinha tempo a perder, logo no primeiro dia, foi enfático:
— Eu quero encontrar a excelência.
O professor, desacostumado de ousadias inaugurais nesse sentido, refletiu e entregou o melhor que pôde:
— A excelência se faz no caminho.
O menino acreditou no professor e continuou caminhando. Ele observava tudo à sua volta, tentando absorver ao máximo os possíveis aprendizados que o caminho oportunizava. Na primeira oportunidade de produzir algo, seu coração palpitava.
— É um dos melhores trabalhos produzidos por alunos iniciantes aqui. Está muito bom, mesmo.
— Não está excelente?
— Não sei, mas sinto que falta alguma coisinha. Mas muito bom é mais que suficiente.
— O menino continuou produzindo e sendo muito bom, era dedicado e disposto, mas a excelência parecia não chegar. Sentindo o coração apertado, abriu sua caixa de aprendizados passados e tomou-se de surpresa. Muita coisa ali já não tinha tanto sentido, mas outras combinavam perfeitamente com o que vinha fazendo agora. E decidiu juntar tudo.
— Está excelente! Parabéns!!!
O menino preparou-se para a iminente chegada da sensação de ser excelente. Mas alguma coisa desandou. Ele não sentia a excelência. Ficou calado, sem entender o que acontecia, pensando que talvez a sensação precisasse ser antes interiorizada e fosse um pouco mais tardia. Continuou caminhando e recebendo os melhores elogios do professor e de todos que o conheciam. Estava com seu novo aprendizado na mão, quando um colega se dirigiu a ele:
— Eu acho o máximo essa ideia de refletir sobre o campo. Mas nunca encontrei muito espaço.
— Eu posso compartilhar o que aprendi com você. E você me ensina o que sabe.
— Eu vi que você é excelente. Talvez não esteja à sua altura.
— Você só tem que dar o melhor de si. E acreditar no que carrega consigo. E estar disposto a aprender.
— Então eu topo.
— A gente pode chamar outras pessoas e compartilhar nossas experiências.
— A nossa sala tem pouca gente.
— Mas a sala não é um limite!
O menino deu um sorriso pleno. A excelência tinha gosto de infância.
Referências
REDIN, Ezequiel. Políticas educacionais e juventude rural no ensino superior. Educar em Revista, Curitiba, n. 63, p. 237-252, jan./mar. 2017.
MARLI, M. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. No Brasil, cerca de 11 milhões de jovens não estudam e nem trabalham. Revista Retratos. 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25801-nem-nem. Acesso em: 27 fev 2022.
SANTANA, R. S. BARCELOS, H. R. Juventude rural, agroecologia e políticas públicas: uma revisão integrativa. In: “Esperançar Juventudes: experiências agroecológicas de jovens do campo, das florestas, das águas e das cidades” – , 2021, evento on-line. Apresentações orais, evento on-line, GT Juventudes da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia), 2021.
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